top of page
  • Foto do escritorGabriela Gibim

Você não é uma empresa e suas emoções não fazem parte de uma peça publicitária



Talvez o Instagram seja o exemplo atual mais óbvio de como, na sociedade em que vivemos, as muitas esferas da vida (como profissional, doméstica e o lazer) vêm ganhando “ares empresariais”.

Rolando a dita timeline, conforme os ditames do algoritmo vão se intercalando na tela, imagens de amigos, de personalidades, de marcas, serviços e produtos, que são capturadas pelas nossas retinas, sendo um dos “baratos” no uso dessa rede, essas categorias, por assim dizer, não terem necessariamente fronteiras entre si, mas serem ressignificadas ou reinventadas sob um guarda-chuvas chamado de “instagramável”.


Uma reflexão importante de fazer, quando vamos assumindo esse modo de ser, é: como lidamos com os aspectos da nossa vida e da nossa personalidade que não possuem essa áurea instagramável?

poesia feita com colagem onde se lê "guerra de imagens/ reencontro da luz e a visão/ não tinha lugar/ para luz própria"
Quando focamos nas redes sociais, o que deixamos de lado?

Se a questão de nos apresentarmos dessa forma, empregando esse modo empresarial à nossa vida como um todo, estivesse restrita às redes sociais online, isso já seria uma questão a despertar cuidado e atenção. Contudo, ela é uma questão anterior à existência das redes sociais e vai muito além do alcance delas (como são muitas das experiências online).


É importante considerar que tal “borramento” faz parte da sociedade neoliberal em que estamos inseridos e se revela como um dos pilares de sustentação desse modo de produção (de produtos, serviços e de vida). Não é, portanto, puramente resultado da motivação espontânea de indivíduos, como às vezes somos levados a pensar. Uma boa síntese do que prega esse modelo é o discurso de que cada indivíduo deve portar-se como um “empreendedor por si mesmo e de si mesmo”.[1]


No campo das interações humanas, um dos problemas atuais já reconhecidos e bastante comentados, que seguramente é favorecido por essa forma “empreendedora”, é o da “positividade tóxica”.


Trata-se de um comprometimento da percepção da realidade, que ocorre quando uma pessoa acaba por falsear a realidade ao exagerar os (supostos) aspectos positivos de tal realidade ao mesmo tempo em que subestima, ou deliberadamente negligencia, os aspectos negativos de tal realidade. Uma atitude desse tipo acaba por suprimir do contato entre as pessoas as suas emoções ditas “negativas”, como tristeza, raiva e repugnância, dentro e fora das redes sociais.

Com a propagação dessas formas “postiçamente” “positivas” de ler o mundo, os indivíduos que expressam as emoções ditas “negativas” (que mencionei acima) passam a ser vistas como “losers”. Com isso, tal ato de expor, ainda que não intencionalmente, sobre o que há de trágico, conflitivo, desigual ou repressivo em sua vida, passa a ser visto/interpretado como causa ou justificativa de seu suposto fracasso.

É certo que não foi com o Instagram que se criou essa perspectiva “empreendedora” da vida individual, mas foi com as redes sociais que ela entrou tão profundamente no cotidiano, na vida particular das pessoas, independentemente de seu lugar na produção de bens e serviços, do fruto do seu trabalho, de sua idade - criança, jovem ou adulto - empregado ou desempregado, cumprindo dupla ou tripla jornada.


O risco, no extremo, é o de, em um momento crítico, “nada instagramável” ou bom para pôr no LinkedIn, recebermos uma carga dupla de culpa: por experimentar sentimentos negativos (que, nessa perspectiva, são fontes de fracasso individual) e por não estarmos agindo de forma produtiva.


O que a “positividade tóxica” impossibilita percebermos:


Não se trata de negar o quanto possa ser positivo podermos nos sentir otimistas ou desejantes, por assim dizer. No entanto, uma positividade que silencia a dor, o desamparo, a contradição, não acarreta vantagem alguma para as pessoas que passam por sofrimento psíquico; pode antes ser percebida como sintoma de uma patologia social, própria de uma sociedade como a nossa, que padece de profunda crise social, ambiental, econômica e se apresenta indiferente ao sofrimento dos desamparados e desalentados.


Além disso, a psicanálise explica a nossa formação em sociedade pela ligação que criamos a partir desse ponto em comum: nascermos frágeis e desamparados. [2]

Vale destacar que, por ser próprio da constituição humana, não há quem não viva o desamparo. As sensações, emoções, que estão envolvidas em torno dos sentimentos de angustia e depressão fazem parte de nosso psiquismo desde quando nos deparamos com o desamparo do nascimento.

Cada ser humano vive e (re)vive situações de desamparo de uma forma singular. Um dos muitos desserviços, digamos assim, que uma ideia como essa da “positividade” promove é o de reduzir a compreensão sobre essa singularidade, dificultando as chances de uma pessoa em sofrimento encontrar caminhos para lidar com essa dor.


Vou terminando esse texto sabendo que não responderei sobre “o que fazer” ou “que caminhos tomar” para lidar com essa dor do desamparo, pois não era mesmo a intenção do texto. Contudo, termino segura de ter conseguido trazer elementos para compreender a importância de darmos atenção para o “buraco” que é crer, internalizar, esse discurso da positividade tóxica e do empreendedorismo de si mesmo.


Foi, enfim, um alerta para ajudar a desviar do buraco nessa caminhada, rs.




Fique à vontade para escrever nos comentários as suas impressões. Cada olhar e sentimento compartilhado alarga, um pouco mais, as formas de se viver a vida!




 

[1] Essa frase foi retirada integralmente do livro “A nova razão do mundo”, de Pierre Dardot e Christian Laval [2] Esse é um tema caro para a psicanálise desde seu surgimento.


60 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page