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  • Foto do escritorGabriela Gibim

Trabalho "invisível", alguém percebe o meu cansaço?


mulher na janela cuidando da criança

“Há quanto tempo se sente assim?”. Essa é uma pergunta provavelmente bastante conhecida por quem já foi a um atendimento psicológico. E por mais que muitas vezes seja difícil elaborar uma resposta conclusiva para ela, um passo importante para o autoconhecimento é dado quando começamos a estranhar algo em nosso jeito de ser ou algo no percurso da vida que estamos vivendo.


Em períodos em que a dinâmica da vida cotidiana se altera, como atualmente, abrem-se muitas possibilidades para esse estranhamento vir à tona, seja no campo individual ou no campo coletivo. A sobrecarga de trabalho à qual muitos vem sendo submetidos, sobretudo as mulheres, intensificou-se e acabou se tornando mais evidente nesse período de pandemia. Sobrecarga vivenciada por muitos, mas sentida e interpretada de maneiras muito diferentes por cada pessoa ou grupo.


O que vou compartilhar aqui neste texto é uma reflexão sobre essa sobrecarga.


Uma rápida busca no google com os termos “pandemia + sobrecarga” dá uma dimensão do problema: sintomas da sobrecarga emocional; risco de mulheres deixarem o emprego por sobrecarga; ampliação da sobrecarga profissional e do cotidiano afetando mais as mulheres – são alguns dos conteúdos disponíveis na primeira página da busca.


Perceber a sobrecarga é um passo inicial bastante importante, pois lança alguma luz sobre algo que até então poderia estar invisibilizado, inclusive para quem está no seu entorno.


A sobrecarga que envolve o trabalho com o cuidado, tarefa realizada massivamente pelas mulheres, é facilmente invisibilizada, inclusive porque muitas vezes tratamos como naturais – fixos – alguns papeis dentro da sociedade e pouco reconhecemos o trabalho e o valor incutidos em certas atividades quando as interpretamos como partes da “natureza” da mulher que a realiza.


Contudo, “Qualquer pessoa que já tenha tido que acalmar uma criança depois de um dia duro no seu próprio local de trabalho ou descobrir como cuidar de um pai ou mãe idoso depois de um turno exaustivo sabe o quanto essas tarefas aparentemente não-materiais são importantes.”¹ , é o que nos lembra Tithi Bhattacharya, historiadora que se dedica muito ao tema do trabalho na sociedade capitalista atual.


Tithi usa esse termo “não-materiais” porque o trabalho do cuidado é um trabalho que aparentemente não resulta em um produto material como é usualmente esperado de uma atividade laboral, mas resulta na sustentação da vida. Nesse sentido - vale frisar - por sustentar a vida das demais pessoas que estão inseridas na cadeia de produção da sociedade, essa atividade não-material revela sua dimensão reprodutiva (ou seja, ela é um pré-requisito para que a atividade produtiva continue existindo).


Tithi Bhattacharya, assim como outras mulheres, tem escrito e participado de muitas entrevistas para explicar os prejuízos que todas e todos nós sofremos quando se “faz de conta” que o trabalho de cuidar não existe.


Essa ideia de que alguém possa fingir que um trabalho não existe pode até parecer exagerada, mas as autoras exemplificam bem como isso ocorre quando recordam, por exemplo, da total ausência de uma saída eficaz para o problema do fechamento das escolas no período da pandemia. O problema precisou ser exclusivamente sanado dentro dos lares, pelas mulheres, sem nenhum suporte público.


Para dar uma ideia ainda mais clara desse tema, indico fortemente o relatório estatístico feito pela organização feminista Sempreviva, que se chama “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, que pode ser encontrado online.


Perceber o estado de sobrecarga crucial, mas se não “fizermos a ponte” com as outras esferas da sociedade, que se relacionam com essa sobrecarga, podemos entrar em um “beco sem saída”, sentindo não existir solução para o sofrimento que ele causa, fazendo com que se sobressaiam sentimentos de culpa e incompetência.


Importante para todas que estiverem sofrendo de algum modo com essa tal sobrecarga: lembrarem-se de que essa não é uma dor individual, é uma dor de muitas mulheres, e que muitas têm buscado compreender os mecanismos que geram essa sobrecarga.


Para cada uma que se sente assim, digo que, aos poucos, ir tomando consciência de como e porque se sobrecarrega, é um segundo passo tão importante quanto o primeiro.


Por fim, essa percepção a respeito da sobrecarga, que pode vir ou não junto àquele sentimento de estranhamento, relacionado a algo em nós ou em nossa vida, é um processo às vezes vivido com pouco, às vezes com muito sofrimento envolvido.


Cabe dizer que quando esse “estranhamento” acontece é como se iniciássemos um novo momento de relação conosco mesmas, em que podemos começar a desnaturalizar algo que por muitos anos, provavelmente, lidamos como sendo “normal”.


Caso esse “Estranhar” esteja presente em você e você estiver incomodada consigo, não se reconhecendo em seu estado emocional e de se relacionar, por exemplo, considere que esse ‘estranhar” é fundamental para que algumas mudanças importantes possam começar a acontecer.



Fique à vontade para escrever nos comentários as suas impressões. Cada olhar e sentimento compartilhado alarga, um pouco mais, as formas de se viver a vida!


 

¹ Essa frase foi retirada de um artigo, “O que é a teoria da reprodução social?” escrito por Tithi Bhattacharya, que pode ser encontrado nesse link http://outubrorevista.com.br/wp-content/uploads/2019/09/04_Bhattacharya.pdf


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