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  • Foto do escritorGabriela Gibim

“Me sinto sem tempo”, o que pode estar por trás dessa angústia?


colagem feita em relógio tem recortes de imagens de pessoas no lugar dos números que contam as horas
tempo subjetivo

O sentimento de que o excesso de compromissos é algo positivo e que devemos buscar um ritmo “acelerado” em nossas vidas - ter uma agenda cheia, ser “multitarefas” - paira no imaginário de muitos. Num contexto como o de nosso país, em que o número de trabalhadores autônomos vem aumentando em comparação ao de empregados com carteira assinada, dizer “não tenho tempo” parece ser uma mostra, para os outros e para si, de que se alcançou um lugar ao Sol e, nesse mesmo contexto, um motivo para, enfim, negar, delegar… escolher o que fazer com o escasso e precioso tempo que nos resta.




Contudo, às vezes – muitas vezes, na verdade – o sentimento de excesso de compromissos não acontece com esse glow do sucesso.


O modo e a intensidade com que experienciamos a “falta de tempo” pode dizer mais sobre a maneira com que fomos desenvolvendo a nossa relação com o mundo que nos cerca do que, exatamente, com a quantidade de compromissos que temos. É curioso pensar que são raras as vezes em que a frase “não tenho tempo” não vem carregada de culpa ou outro sofrimento.

Sobre o peso que esse imaginário de sucesso nos causa, já escrevi um textinho, antes desse aqui, com o longo título de “Você não é uma empresa e suas emoções não fazem parte de uma peça publicitária”, que, caso se interesse, está aqui.


Mas, o que desejo mais especificamente, dessa vez, é falar sobre o excesso de tensão - de angústia - que o sentimento de “não ter tempo” pode causar.


Recentemente, me deparei com uma fala do Chapeleiro Maluco, lembrada no livro de Ana Suy, em que ele diz algo sobre o tempo: “se você conhecesse o Tempo como eu o conheço (...) não falaria em desperdiçá-lo como se fosse uma coisa. É um senhor.”

Sempre que o Tempo é abordado em alguma expressão artística, eu tô ali, atenta e ávida por apreender algo. “Tempo rei”, canção de Gilberto Gil, também trata o tempo com essa mesma perspectiva. Ele não pode ser apossado por ninguém, tem sua própria maneira de agir “transcorrendo”, “transformando”.

Nas vezes em que nos sentimos sem nenhuma capacidade de interferir no percurso desse senhor que age em nossas vidas e na natureza, podemos ficar espantados, resignados, impacientes, gratos. Há uma infinidade de formas de se relacionar com isso que parece ser próprio do Tempo e que significa que na vida haverá sempre algo que transcorre independente da vontade que podemos ter de controlá-la.


Agora, há quem sinta que o tempo não está em sua posse, mas está na posse de um outro que o demanda, que precisa de sua correspondência e, com isso, acaba por lhe sufocar. No livro “O tempo e o cão”, Maria Rita Kehl fala sobre a depressão como um sofrimento derivado da experiência precoce que alguns percebem de serem sufocados por um Outro - um discurso, uma pessoa -, com seus excessos, antes mesmo de poderem ser “eles próprios”, por assim dizer.

Estar distante de um Outro que se antecipa sobre as nossas necessidades é o que nos permite imaginar, criar. Essa capacidade de imaginar e criar, nesse contexto, nos ajuda a suportar o tempo da espera, por exemplo, ou da ausência. É uma qualidade importante de nosso psiquismo poder imaginar saídas, cenários, imaginar-se de outras maneiras ou lembrar do passado.

Quando estamos sempre expostos ao excesso de ofertas, ficamos incessantemente “atormentados” pela necessidade de fazer aquilo que o outro espera de nós, no tempo e no “jeito” do Outro. É como se ofertas se transformassem em demandas.

Voltando lá para o comecinho do texto, pode ser também que, para muitas outras pessoas, aquela imagem de um sujeito bem sucedido e cheio de compromissos não transmita nada de positivo, uma vez que essa imagem, inclusive, pode despertar repulsa. Eu diria que ela é um grande engodo, uma falácia.

Ao que me parece, ser “dona” ou “dono” do próprio tempo, que eu traduziria nesse contexto por “refletir sobre o que fazer e o que deixar de fazer no momento de algumas escolhas e perceber o que se sente”, pode ser um trabalho íntimo menos glamuroso do que pode parecer. É provável que a gente mais se distancie do que se aproxime de idealizações como aquela que eu mencionei, ou de outras, que surjam dos sentimentos sobre “quem eu deveria ser” , ou “quem seria bom ser”.

Se, por um um lado, há essa idealização corrente na cultura, por outro, a falta de escolha é muito mais comum do que se imagina. Crescer em um mundo em que, antes mesmo de nos sabermos “pessoas”, somos interpretados como consumidores que devem corresponder aos “apelos” do mercado ou, mais gravemente, sentir-se responsável - desde a infância - pela felicidade e talvez existência das pessoas ao nosso redor, deixa suas marcas na forma e na intensidade como nos relacionamos com o tempo que sentimos ter (ainda que não tenhamos controle total sobre ele).

São contextos em que frequentemente temos a sensação de que estamos em “débito” com alguém ou aquém de quem “deveríamos” ser e, mesmo quando nenhum pedido ou expectativa foi explicitado, sentimos que devemos nos antecipar porque, enfim, ficamos bons na arte de prever necessidades.

São muitas as formas com que essa experiência de “falta de tempo” vai se atualizando na vida de cada um e o resultado disso nem sempre é alguém correndo contra o relógio, mas sim paralisado, sem forças para “ir para o mundo”, digamos assim.

Em relação a tais sentimentos, que podem nos acompanhar por anos, não possuímos fórmula exata sobre como podemos modificá-los. São muitas as camadas de emoções, memórias e idealizações por trás de um sentimento como esse, de não se ter tempo. Espero que essa reflexão sobre uma possível razão para a angústia gerada nesse processo, possa servir de auxílio à trajetória autoconhecimento de cada um que chegou até aqui.


*


Muito do que eu escrevi aqui foi inspirado na leitura que fiz do livro “O tempo e o cão”. Não é uma leitura que eu indicaria para quem não é familiarizado com psicanálise ou psicologia, mas pode ser que alguns de vocês queiram mergulhar nessa leitura e ver no que dá. Se rolar, volte e vamos conversar sobre - eu adoraria!


Um abração e até!!


 

1 No livro “A gente mira no Amor e acerta na solidão”, essa citação está no início do capítulo “o amor precisa de tempo”.


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