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Autocuidado e planejamento

  • Foto do escritor: Gabriela Gibim
    Gabriela Gibim
  • 18 de jul. de 2020
  • 4 min de leitura

Gostaria de compartilhar algumas observações com as pessoas que têm um apresso por planejar o seu fazer diário, o tal planejamento. Vou trazer aqui alguns pontos que têm sido interessantes de se observar, mas não vou dizer, propriamente, sobre o como fazer um planejamento, pois além de acreditar que haja um caminho singular para cada um dos que se orientam melhor fazendo suas anotações em caderno, agenda, papel colado na geladeira, também tenho consciência de que há outros profissionais, que seguem outras abordagens da psicologia ou que são de outras categorias profissionais, como os terapeutas ocupacionais, que enfocam a questão de como realizar um planejamento, respeitando a singularidade de quem demanda por esse auxílio.

Aqui vou apenas destacar três pontos sobre que tenho refletido e que podem vir a ajudar no momento de fazer o planejamento.


I - Esvaziar primeiro:


Às vezes, quem tem esse gostinho por planejamento, recorre a ele quando sente que algo não vai bem. E é um caminho possível, porque quando colocamos no papel, ao mesmo tempo em que damos uma saída para o que pode estar confuso no pensamento, traçando uma rota “por onde começar”, o planejamento nos dá a sensação de que estamos “esvaziando” um pouco, descarregando nalgum lugar externo, aquilo que está incômodo ou excessivo em nosso pensamento.


Por outro lado, às vezes neste ato de ir ao planejamento quando algo não vai bem, fazemos essa passagem de um modo quase como “engolindo o choro” e não nos conscientizamos do que estamos de fato sentindo e precisando dar vazão. Às vezes, o que é preciso no momento não é planejar, mas, sobretudo, esvaziar... Se há tristeza, que venha o choro, por exemplo, ou se a confusão mental angustia, que você busque alguma forma de expressão que seja livre de julgamentos: desenhar livremente, escrever tudo o que vêm a cabeça, dançar sozinho consigo. A dica é, antes de planejar, observe se não é momento de ir para o papel, que seja, mas com outra intenção.


II - O Planejamento pode ser uma ferramenta de observação de si:


Outra coisa em relação à qual tenho buscado me manter atenta é para o fato de que não estamos sempre do mesmo jeito, com a mesma disposição vital, todos os dias da semana, todas as semanas e meses, mas tão real quanto isso é o fato, também, de que estamos sempre às voltas com prazos, números de jornadas de trabalho e com a pressão de nos sustentarmos materialmente nessa sociedade e muito por isso, sentimos que devemos suportar e dar conta das tarefas, apesar de como estamos nos sentindo, apesar da nossa disposição física e emocional.


Contudo, no modo como considero que um planejamento faz sentido, ele não pode ser o conjunto de tarefas – intermináveis – das quais temos que dar conta. Ele não é um esquema puramente racional de divisão entre as horas do dia e o tempo das tarefas, ou uma grande bilhete para nós mesmos daquilo que não devemos nos esquecer, embora ele possa ser isso também. O planejamento é a meu ver, sobretudo, um esboço de como você se organizará considerando os recursos internos e externos que possui, e para isso é importante que você considere o que você sabe sobre si mesmo, sobre os seus ritmos, humores, redes de apoio...


Se utilizarmos o planejamento como um exercício de olhar para o passado recente para pensar o que fazer, sem julgamento, mas como um exercício de ampliar a nossa consciência sobre nossos recursos e nossas possibilidades de agir, a chance é de que encontremos um equilíbrio mais possível entre os nossos estados de ânimo e as exigências externas. Com o tempo, o planejamento pode vir a ser uma ferramenta de autoconhecimento, para ampliar ou transformar aquilo que você já conhecia sobre si mesmo.


III - Planejar pode ser também um modo de olhar para aquilo que não faremos ou para aquilo que não fazemos:


Se alguns parágrafos antes eu dizia que o planejamento como eu tenho considerado, não é uma subdivisão entre horas do dia ou da semana e a quantidade de tarefas que há de ser cumprida, sem cuidado prévio e sem observação de si, é bem verdade que o tempo é um fator determinante, porque bem, tempo não se multiplica. Não se multiplica, mas é crucial considerar, por exemplo, que se você cozinha o seu alimento ou se há alguém que cozinhe por você, o seu tempo e a experiência vivida nestes dois modos são muito diferentes. Diferente também é o efeito que produz o modo x ou y ou z de se alimentar – ou o que quer que seja – na sua vida e na vida coletiva.


Dito esse exemplo, o último ponto que gostaria de trazer é de nos conscientizarmos sobre o fato de que quando estamos planejando, estamos pensando no tempo e nas qualidades com que nos dedicaremos aos diferentes elementos que compõem o nosso viver... Como nos alimentamos, como nos deslocamos, como realizamos os nossos cuidados diários, como realizamos o cuidado com o outro. Nesse mesmo contexto, faz sentido começar a observar as diferentes áreas da vida, se é que podemos chamar assim, e refletir sobre as muitas coisas que ocorrem para que elas sejam como são na atualidade. Quais arranjos sociais se tecem? Com qual qualidade e quais efeitos são produzidos?


Às vezes, realizamos as tarefas de modo a estarmos sobrecarregadas e/ou sobrecarregando outro alguém. Talvez num primeiro momento a gente se sinta sem saída diante dos desequilíbrios dos quais podemos vir a tomar consciência, mas isso não quer dizer que se fecharmos os olhos para eles, não sentiremos os seus efeitos. Tomar consciência é um grandessíssimo passo, que abre espaço para arranjos mais sustentáveis.

*

Fim de papo, fica o desejo de que não deixemos de nos acolher e de que não façamos do planejamento uma espécie de prova desempenho e de performance. A minha intenção aqui foi poder apontar algumas observações sobre o momento de nos organizarmos como uma parte de um processo mais amplo, que é o de entrar em sintonia com o momento presente.

Também, é importante lembrar que problemas coletivos nos pedem saídas coletivas e que muitos desses desequilíbrios são sentidos por estarmos às voltas com o dilema de resolver em nós mesmos problemas gerais, estruturais de nossa sociedade.


Inspiração para o texto e dica de leitura:

Sociedade do Cansaço, de Byung-Chul Han. Editora Vozes. 2017

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