Quando o mundo muda, a gente muda também?
- Gabriela Gibim
- 21 de mai. de 2020
- 3 min de leitura

A expressão é uma reação nossa, corporal, a algo que nos acontece, algo que pode ser mais ou menos evidente. Assim como é efeito, a expressão também compõe a realidade, se relacionando com as manifestações de outros seres e coisas, que vão – em conjunto – dando forma, cor, som e movimento ao mundo que nos cerca. Quando o mundo muda, a gente muda também?
As pessoas nascem, crescem, viram adultos. O must dessa nossa sociedade produtivista. Até esse tornar-se adulto, a gente passou por um longo processo de controlarmos aquilo que expressamos e há uma importância significativa em sentirmos que somos capazes de controlar algo em nós, por exemplo, que o nosso corpo é capaz de ser continente e suportar nossas emoções e reações orgânicas. Contudo, aquilo que nos permitimos expressar se relaciona também, e, sobretudo, com uma construção histórica e social que nos antecede. Ajuda no entendimento deste processo, pensar o quanto que expressamos ou deixamos de expressar por medo de não sermos aceitos, de não ter lugar no mundo, de não atender às expectativas...
Nesse período da vida, é bem capaz que as pessoas tenham estabelecido uma forma de se apresentar para o mundo, de acordo com os papeis sociais que realizam e com aquilo que acreditam ser, percorrendo das mais altas às mais baixas frequências da autoestima, por assim dizer. Acontece, nesse percurso, de termos construído esses nossos modos de ser nos protegendo das mudanças (as mais variadas possíveis), o que faz com que criemos e reforcemos resistências¹ em nosso corpo e psiquismo.
Num certo momento da vida, percebe-se o mal estar. Muito enrijecidos naquele modo de ser, é possível que já nem esteja tão claro para nós mesmos o que, em nós, conseguimos ou não expressar. Acabamos repetindo e reproduzindo aquilo que nos é (re)conhecido e ficamos descompassados em relação ao ritmo das mudanças que compõem a realidade (“feita de movimentos e fluxos”²).
Expressar-se, do modo como me interessa mostrar, não é um exercício de opressão ao outro como alguns sujeitos sem empatia (ou mesmo tiranos) fazem. Às vezes, por sentirmos que nos expressamos pouco, ficamos aliviados quando há outro que fale e preencha a sala, o consultório, a reunião com o seu tom assertivo, mas vale atentar para o seguinte: quando este outro fala, ele silencia algo em mim?
Num outro textim Desenvolver-se, falei sobre o quanto é importante ao nosso processo de desenvolvimento o respeito e o reconhecimento do outro.
Expressar-se é um exercício de dar formas, sim, mas não sempre as mesmas, e não para nos controlarmos, unicamente, porque a expressão é relação e, também, movimento. Há descobertas na expressão, há criações, que não seriam possíveis se neste processo colocássemos o controle acima da vontade de descobrir. Quando o mundo muda, algo em nós muda também e podemos expressar essas mudanças e observá-las. Lembrando que temos um corpo todo para elas: voz, tato, articulações, visão, olfato, com diferentes qualidades, de velocidade e intensidade.
Expressamos aquilo que “pede” vazão, lhe damos forma, sempre com os recursos internos e externos que temos, partindo do que nos é conhecido, partindo.
¹ Segundo o “Vocabulário da psicanálise”, de Laplanche e Pontalis, resistência é um conceito usado em referência aos atos e palavras do analisando que buscam impedir o acesso ao inconsciente. Wilhelm Reich – outro autor bastante importante para mim – considera que a resistência se expressa em nossa forma nos comportarmos, de falar, andar, gesticular e em nossos hábitos característicos, em nosso jeito de sorrir, no quanto somos polidos ou agressivos, como explicam João Rodrigo Oliveira e Silva e Paulo Albertini no texto “Notas sobre a noção de caráter em Reich”. Embora o texto que escrevo trate de nós no cotidiano de nossas vidas e não do ambiente da análise, a referência à psicanálise é válida, pois estes conceitos dizem respeito ao nosso modo de ser e de nos relacionarmos em sentido amplo, na vida.
<https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932005000200010>
² Citação de: José Vicente Pereira Justo Carner e Cristina Mair Barros Rauter: Para saber, escute seu corpo: diálogos entre reich e spinoza para a análise do vívido. <http://editorarealize.com.br/revistas/congrepics/trabalhos/TRABALHO_EV076_MD4_SA4_ID1747_04092017232823.pdf>
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