Sobre uma pedagogia do olhar
- Gabriela Gibim
- 20 de abr. de 2020
- 2 min de leitura

A quarentena transformou a vida de todos nós. Nossa vida não é a mesma de antes, é bem possível que estejamos todos mudando o modo como realizamos os nossos afazeres e as formas (e qualidades) como nos relacionamos com as pessoas com quem vivemos e com aquelas que estão distantes neste momento. Pode ser que estejamos nos sentindo, por vezes, apenas sendo levados pelos acontecimentos, sem condição de compreender eles, vivendo mudanças que nem sempre são frutos de uma intencionalidade. Às vezes, nossas ações “acontecem” como resposta ao nosso cansaço, à ansiedade, ao medo ou à apatia que podemos estar sentindo. Também, é comum que diante do problema que vivemos, estejamos exaustivamente buscando interpretações para o que se passa, sem que consigamos sair desse estado incômodo.
Esse trecho que vou compartilhar é de um livro por mim muito querido chamado “O tempo vivo da memória” da eterna Ecléa Bosi, em que ela se reporta a um texto do Alfredo Bosi, inspirado nos diários de Simone Weil e fala sobre quatro dimensões da atenção, sobre essa forma de olhar. Num contexto de tantas mudanças de paisagens, de formas de nos relacionarmos e de realizamos nossos afazeres, esse texto pode ser lido como pequenas dicas de como lidar com o que vivemos, cada um de nós na sua particularidade. Ele nos mostra o quanto que o exercício da atenção é potente. Seguem as quatro qualidades e as suas explicações:
"
1 – A PERSEVERANÇA: A atenção deve enfrentar e vencer a angústia da pressa, ser lenta e pausada como o respirar da ioga. Se o olho se detém na contemplação desinteressada do objeto, ele descobre seus múltiplos perfis e, no final do processo, recupera sua unidade em um nível mais complexo de percepção.
2 – O DESPOJAMENTO: A atenção, sendo uma escolha, é também uma ascese: ao contrário do “não quero nem saber”, tudo sacrifica para ver e saber. Ela se opõe ao desejo classificador: o olhar desapegado não quer se apropriar, rotular, selecionar. Ao invés de classificar, admira as transformações do Uno Todo.
3 – O TRABALHO: A atenção é um olhar capaz de agir sobre a realidade. O olhar atento vive o trabalho da percepção, alcança compreender tanto as regularidades quanto os acidentes da matéria.
(...)
4 – A CONTRADIÇÃO: O olhar atendo se exerce no tempo, colhe as mudanças que sofre os homens e coisas, o processo que formou a aparência. Quem trabalha com as mãos, refletindo sobre sua obra, aprende que está lutando com forças em tensão, desafiando resistências da matéria. A percepção da contradição vem da práxis conjugada do corpo com a consciência. E o militante no correr dos anos, amadurecendo, reconhece as tensões entre as classes e os grupos do poder que o sacrificam.
"
Simone Weil (1909 – 1943) passou um período de sua vida trabalhando como operária em uma fábrica e parte de seus escritos foram produzidos neste contexto. Dentre os muitos estudos e escritos de Ecléa, parte é sobre a vida e obra de Simone Weil.
Referência:
Ecléa Bosi. O tempo vivo da memória. 2003. Ateliê Editorial. pp. 213 – 214.
Commentaires