(Des)envolver-se
- Gabriela Gibim
- 4 de jan. de 2018
- 3 min de leitura

Meu olhar sobre o desenvolvimento humano deu um salto quando o compreendi a partir da simples decomposição da palavra desenvolvimento, destacando o prefixo des- do restante. Desenvolver é se (des)envolver dos laços de dependência, é nos reconhecermos como um ser que existe separado do outro. Mas, este é um ato que não se faz sozinho, embora isto possa parecer inconciliável com aquela primeira afirmação.
Antes de dizer o porquê deste não ser um ato solitário, vale destacar que o desenvolvimento envolve o reconhecimento de que o processo de nos humanizarmos está intimamente ligado à possibilidade de explorarmos o mundo por nós mesmos, com os nossos órgãos do sentido e percepção, da forma mais autônoma possível. É fácil perceber esse movimento quando observamos os pequenos, o quanto que o desenvolvimento avança na medida em que eles começam a tatear o mundo, alcançando e explorando objetos mais diversos que antes não poderiam ser alcançados.
Outra beleza ímpar que está no princípio desta ideia sobre o desenvolvimento é que ele significa um processo que nunca se encerra por completo. Para este processo de continuarmos nos desenvolvendo ao longo de toda a nossa existência, Winnicott (1896 – 1971), psicanalista inglês, nomeou de experiência de continuidade do ser. Em outras palavras, podemos dizer que por toda a vida somos guiados por um sentimento de estarmos vivendo, criando continuamente a nossa própria existência – como um fio condutor por toda a vida, do nascimento à morte.
Mas, a questão sobre como somos capazes de sustentar esse sentimento de estarmos vivendo, essa experiência de continuidade do ser, talvez seja um dos temas mais interessantes de se explorar quando pensamos sobre os relacionamentos humanos, pois envolve não apenas o protagonista deste processo – seja lá quem ele for (criança, adolescente, adulto ou idoso) – mas também nós, que estamos em seu entorno. É aqui que percebemos que sozinhos podemos pouco quando o assunto é desenvolvimento. Paradoxalmente, desenvolver-se é um ato de autonomia que só se realiza a partir e com o outro, uma vez que o desenvolvimento só ocorre quando são asseguradas as possibilidades de experienciarmos criativamente o mundo e de sermos reconhecido, pelo olhar do outro, em nossa singularidade. É preciso que a comunidade que nos envolve reconheça a nossa singularidade.
Nesse sentido, somente nós que estamos no entorno, que não somos os sujeitos desse processo, podemos assegurar que aquela pessoa seja reconhecida. E está aí também o desenvolvimento em sua maior complexidade: reconhecer-se como um ser responsável pela existência do outro.
Por que não colocar esses parâmetros como um norte em nossas ações? Pensa-las a partir de uma ética do respeito e do cuidado, para que nós e os outros - sejam eles figuras carregadas de afetos, como filhos, ou outras pessoas com quem co-habitamos esse mundão - possamos nos (des)envolver, seguros de que aqueles que estão no nosso entorno irão cuidar de nós ao reconhecerem nossa singularidade e, que, em contrapartida, sejamos nós, também, responsáveis pelas suas existências.
Já faz parte de um certo senso comum a ideia de que cada pessoa é única, que todos nós somos diferentes um dos outros, mas também é verdade que temos sofrido com o temor de que “ser diferente” é perigoso e/ou errado, nos esquecendo desse princípio básico de que diferenciar-se está na raiz do nosso desenvolvimento e é a faísca que nos mobiliza em direção às coisas potentes da vida. Posso afirmar que talvez tenha sido esta preocupação que me levou a escrever esse texto e que me faz pensar que nunca é demais dizer que quando tomamos a atitude de restringir o modo de alguém expressar-se (ou se relacionar com o mundo), devemos estar bastante atentos àquilo que nos move a pensar dessa forma e, principalmente, devemos nos atentar ao que nossas restrições produzem na vida do outro.
Sigamos, então, alargando as bordas que delimitam as possibilidades de existências nossa e do outro para que a vida que é possível, pulse. Fica, por fim, o desejo de que esse pequeno texto tenha, ao menos, nos levado a refletir sobre o que temos feito a favor desenvolvimento, das possibilidades de experienciarmos criativamente o mundo.
* Esse texto foi escrito inspirado nas reflexões apresentadas pelo professor Loparic, em 29/03/2017, na CPFL Cultura.
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